Certa
vez, em um debate na televisão, uma abortista disse-me que uma criança com três
meses de concebida não é pessoa, pois sua vida depende inteiramente da mãe.
Apesar de já ter todos os seus órgãos formados desde o segundo mês (inclusive
com impressões digitais), apesar de seu cérebro já estar produzindo ondas desde
as 6 semanas (um mês e meio), apesar de seu coração funcionar desde 21 dias
(menos de um mês de vida), para a aquela abortista a criança de três meses de
vida intra-uterina não era pessoa. O argumento dela era simples (ou simplista):
"se esta criança for retirada do útero materno, morrerá inevitavelmente;
logo, ela não é pessoa".
É
verdade que a criança por nascer depende da mãe para sobreviver. Mas tal
dependência é puramente extrínseca. Desde a fusão do óvulo com o
espermatozóide, forma-se um novo indivíduo que comanda o seu próprio
crescimento e desenvolvimento. Seu código genético é distinto da mãe. Seus
aparelhos e sistemas são totalmente outros. Não é o organismo da mãe que vai
construindo a criança. É a criança que constrói a si mesma, usando do alimento
e do oxigênio fornecidos pela mãe. É o bebê, e não a mãe, que produz o famoso
hormônio HCG, habitualmente usado nos testes de gravidez.
É o
bebê quem, por conta própria, suprime o período menstrual da mãe e constrói
para si uma placenta e um envoltório protetor com líquido amniótico. E
finalmente é o bebê quem determina o dia em que vai
nascer,
pois está fora de dúvida, segundo Dr. William A. Lilley (o ?pai da fetologia?)
que o início do parto é uma decisão unilateral do nascituro (cf. A. William
Liley, MD, A Case Against Abortion, Liberal Studies, Whitcombe & Tomb Ltd,
1971).
A
criança não depende da mãe intrinsecamente, como o braço depende do restante do
organismo. Sua dependência, puramente extrínseca, reduz-se ao lugar para
hospedar-se, à alimentação e à respiração. Mas tal dependência permanece depois
do nascimento. Pois, se depois de nascer, a mãe não a nutre com seu leite nem a
acolhe em sua casa, a criança morrerá inevitavelmente. Para ser coerente
consigo mesma, aquela abortista deveria dizer que o recém-nascido também não é
pessoa, uma vez que continua a depender totalmente da mãe.
Um
outro argumento, totalmente descabido, mas ainda muito usado e repetido,
é que a criança é parte do corpo da mãe, uma espécie de apêndice
que poderia ser extirpado sem problemas morais. Os defensores dessa tese acabam
por inventar uma nova anatomia. Pois no meu tempo de adolescente, aprendi que o
corpo humano é composto de cabeça, tronco e membros. Para eles, o corpo humano
teria quatro partes: cabeça, tronco, membros e criança. Esta última poderia ser
cortada com a mesma facilidade com que se cortam as unhas e os cabelos. Dá para
aceitar?
Se
para a Suprema Corte norte-americana, a criança é coisa antes de
nascer
e pessoa depois de nascer, surge uma questão: e quando a criança está nascendo?
Quando ela já saiu parcialmente do organismo materno: ela é coisa ou é pessoa?
A
pergunta não é descabida, pois nos Estados Unidos é comum uma prática conhecida
como "aborto por nascimento parcial" (partial birth abortion). É
praticado quando a criança está com idade gestacional avançada, de seis a nove
meses, já virada para baixo, esperando o momento do parto. Com o auxílio de um
aparelho de ultra-som, o aborteiro agarra as pernas do bebê com um fórceps.
Elas são puxadas para fora através do colo uterino. Quando todo o corpo já saiu
(pernas, braços, tronco) e apenas a cabeça está dentro da mãe (um detalhe: a
criança está viva!), o aborteiro enfia a ponta de uma tesoura na nuca do bebê.
A seguir, abre a tesoura para aumentar a incisão. No buraco aberto, é
introduzido um tubo de sucção que
aspira
o cérebro da criança, causando-lhe a morte. Nesse momento, o
crânio
se contrai e a cabeça pode passar com mais facilidade pelo colo uterino. Está
terminado o aborto. O tecido do cérebro é então usado em implantes para
tratamento de doenças neurológicas.
Tal
aborto é legal ou não é legal? Quando apenas a cabeça ainda está dentro da mãe,
a criança é ou não um cidadão norte-americano? O
Congresso
dos Estados Unidos, chocado com tal procedimento, apresentou um projeto de lei
que proibiria apenas esse tipo de aborto. O projeto já havia sido aprovado nas
duas Câmaras quando chegou à mesa do Presidente Clinton em abril de 1996.
Abortista até a última fibra do sapato, Clinton não sancionou, mas vetou a lei
que proibiria tal aborto. Quando Clinton foi reeleito, a lei foi novamente
apresentada pelo Congresso, mas o Presidente vetou-a pela segunda vez. Ainda
hoje tal aborto é permitido e praticado nos Estados Unidos.
[nota: Em novembro
de 2003, o então Presidente norte-americano, George W. Bush, sancionou e
promulgou a lei que proíbe o aborto por nascimento parcial nos Estados Unidos]
Há
abortistas que dizem que não são favoráveis ao aborto (imagine!), mas que
defendem o direito de a mulher decidir se conserva ou aborta seu filho. O
aborto então seria um direito subjetivo da mulher. Mas eu pergunto: de qual
mulher? Pois das crianças abortadas, aproximadamente cinqüenta por cento são do
sexo feminino. A que direito eles se referem? Ao direito da mulher grande sobre
a mulher pequena? Da mulher forte sobre a mulher fraca? Da mulher que grita por
seus ?direitos reprodutivos? sobre aquela que não tem voz para gritar?
Há
ainda o argumento de que, ao se legalizar o aborto, nenhuma mulher seria
obrigada a fazê-lo. Faria apenas se quisesse. Estaria assim respeitado o seu
livre arbítrio, e o nem o Estado nem a Igreja poderiam interferir.
Este
é o mesmo argumento usado pelos defensores da escravidão no século XIX:
"Ninguém
está obrigado a ter escravos. Você é contra a escravidão? Não escravize. Mas
não queira impor sua moral aos outros, que não
compartilham
a mesma opinião. Não impeça a escravidão nos casos previstos em lei".
Discordo tanto dos escravocratas quanto dos
abortistas. Protesto contra a escravidão, ainda que facultativa. Com mais razão
ainda, protesto contra o aborto, ainda que facultativo. Pois a escravidão é um
atentado contra a liberdade, ao passo que o aborto é um crime contra a VIDA!
E
assim como defendo que a lei proíba expressamente a escravidão, e
puna
os que escravizarem, defendo que a lei continue proibindo expressamente o
aborto e punindo aqueles que abortarem.
Um caso concreto
Em
setembro de 1998 os jornais noticiaram um trágico acontecimento. Uma menina de
dez anos, de iniciais C.B.S., moradora do município de Israelândia, GO, havia
sido sofrido abuso sexual por dois velhos e
estava
grávida. Seus pais queriam que ela fizesse aborto. O público ficou extremamente
chocado, e com razão, com a monstruosidade de dois velhos abusarem de uma
menina. No entanto, a imprensa desviou sistematicamente a atenção do bebê que a
menina carregava no útero, e que não tinha culpa alguma de ter um pai
estuprador. Inutilmente eu e meus companheiros pró-vida fomos até Israelândia
para dissuadir a família de abortar. Até mesmo um casal de Brasília já se havia
oferecido para adotar o bebê tão logo ele nascesse. Apesar disso as forças da
morte prevaleceram. No dia 3 de outubro de 1998, às 9h 30min, o bebê, que já
tinha quatro meses, foi executado no Hospital de Jabaquara, São Paulo. A equipe
que fez o aborto disse que usou de uma microcesariana, mas evitou (com razão)
contar os detalhes.
Eu,
porém, vou contar. Os "médicos" fizeram uma incisão no útero da
menina
e retiraram a criança ainda vida e presa ao cordão umbilical. Seu coração
estava batendo e seus olhinhos fitavam os olhos dos algozes. É bem provável que
ela tenha respirado e chorado. Que fizeram então os médicos?
Um
dos procedimentos seguintes:
-
asfixiaram o bebê contra a placenta;
-
estrangularam o bebê;
-
ou simplesmente cortaram seu cordão umbilical e jogaram-no na lata de lixo mais
próxima, até que morresse.
Pergunto: o aborto é
ou não é mais monstruoso que o estupro?
Os
dois velhos foram presos. Não acompanhei o julgamento, mas
certamente
eles não receberam mais do que dez anos de reclusão, que é a pena máxima
prevista para o estupro (Código Penal, art. 213). O bebê, porém, sem nenhum
direito de defesa, foi condenado sumariamente à pena de morte. Tal assassínio
violou frontalmente um princípio consagrado em nossa Constituição de que
?nenhuma pena passará da pessoa do condenado? (art. 5º - inciso XLV). Desta vez
a pena não apenas passou do pai para o filho, mas foi aumentada: de pena de
reclusão para pena de morte.
A
VIDA HUMANA COMEÇA COM A FECUNDAÇÃO, isto é um fato científico com demonstração
experimental; não se trata de um argumento metafísico ou de uma hipótese
teológica. No momento da concepção, a união do pró-núcleo feminino e masculino
dão lugar a um novo ser com sua individualidade cromossômica e com a carga
genética de seus progenitores. Se não se interrompe sua evolução, chegará ao
nascimento?.
E
em caso de estupro?
Punir
a criança com a morte por causa do estupro de seu pai é uma
injustiça
monstruosa. Mais monstruosa que o próprio estupro!
O
estuprador pelo menos poupou a vida da mulher (se não ela não estaria grávida).
Será justo que a mãe faça com o bebê o que nem o estuprador ousou fazer com
ela: matá-la?
Como
vimos, o ser humano é o mesmo, antes ou depois do nascimento,
dentro
ou fora do útero. Se legalizássemos o aborto em caso de estupro, teríamos, para
conservar a coerência, que autorizar a morte de todos os adultos concebidos em
um estupro.
A
simpatia que o público sente pelo aborto em tal caso não tem explicação
lógica, mas puramente psicológica. Sem se dar conta, transfere-se a hediondez
do crime para a criança inocente.
Em
meu trabalho pró-vida, já conheci muitas vítimas de estupro que
engravidaram
e deram à luz. Maria Aparecida e Maria Luciene são apenas duas delas, com seus
filhos Renato (que hoje já é universitário) e Bruna, respectivamente. Todas
elas são unânimes em dizer que estariam morrendo de remorsos se tivessem
abortado. Choram só de pensar que alguma vez cogitaram em abortar seu filho. E,
para decepção dos penalistas que defendem o aborto em tal caso, a convivência
com a criança não perpetua a lembrança do estupro, mas serve de um doce remédio
para a violência sofrida. Não conheço nenhum caso em que uma vítima de estupro,
após dar a luz, não se apaixonasse pela criança. Digo mais: se no futuro, a
mulher se
casa
e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tal fato tem
uma explicação simples: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhe
deram maior trabalho.
E para salvar a vida da gestante?
O
aborto é uma prática tão selvagem, que é difícil imaginar que possa trazer
algum benefício para a gestante. E realmente não traz. Cito esta frase lapidar
da Declaração da Academia de Medicina do Paraguai, de 4 de julho de 1996: ?Em
casos extremos, o aborto é um agravante, e não uma solução para o problema?.
Houve
tempo em que os médicos, não tanto por falta de recursos, mas por ignorância,
praticavam aborto com o intuito de salvar gestantes vítimas de tuberculose
pulmonar, cardiopatias, vômitos incoercíveis, hipertensão arterial e
perturbações mentais. Tal aborto, chamado ?terapêutico?, foi duramente
criticado pelo médico legal Costa Júnior em uma aula inaugural na USP que ficou
célebre. Por que ainda o aborto terapêutico? -- perguntava Costa Júnior já em
1965. Apresentando numerosas estatísticas feitas em gestantes enfermas na
década de 50, o professor demonstrava que em nenhum caso o aborto era
necessário -- e nem sequer útil -- para salvar a vida da gestante. Os grupos de
gestantes submetidas ao chamado aborto terapêutico
tiveram maior índice de óbitos e de agravamentos que as outras
que levaram a gravidez adiante.
E quanto às crianças deficientes?
Se
uma gestante descobre, por um diagnóstico pré-natal, que seu filho é portador
de alguma anomalia, por exemplo, a ausência de cérebro (anencefalia), não é
correto que ela diga: ?eu não quero ter uma filho defeituoso?
A
frase está mal empregada, pois na verdade ela já tem esse filho. Não está em
seu poder deixar de ser mãe, pois ela já é mãe. Se praticar aborto, continuará
sendo mãe, embora uma mãe assassina. Isto deve ficar bem claro: o aborto não
retira a maternidade da mulher. Apenas acrescenta uma culpa. A criança
anencéfala é um autêntico ser humano, como um de nós. Suas células somáticas
têm 46 cromossomas, número típico da espécie humana. A deficiência de um órgão,
como o cérebro, não a torna ?menos humana?. Pode-se prever que ela viverá pouco
tempo, mas atualmente ela está viva. Se está viva, não podemos matá-la a
pretexto de antecipar o inevitável.
A
vida é sagrada em si mesma. Seu valor não se mede pela saúde, nem
pela
sua duração nem por qualquer outra qualidade. Se assim agíssemos, acabaríamos
por cometer as mesmas atrocidades dos nazistas, que eliminavam os seres humanos
considerados inúteis.
Digo
mais: justamente por ser doente, e doente incurável, a criança por nascer deve
receber um carinho maior. Após o nascimento, se a família for católica, convém
batizar a criança imediatamente, para que receba a graça que Cristo conquistou
para nós com seu sangue, e morra como filha de Deus.