quarta-feira, 16 de março de 2016

Encontro de Maria com Seu Filho


     Depois de Verônica, o momento mais marcante da subida. Parada à beira do caminho estava Maria, Sua mãe.
      A cena era triste. Trinta e três anos a distanciavam do menino ao colo, das delicadezas maternas que a configuravam como sentinela do Divino homem, missão recebida sob as imposições históricas que não lhe permitiam grandes conquistas, mas que a devolviam ao lar com o poder de redimir o mundo a partir de pequenos gestos. Ninguém sabia. Ninguém sequer intuía, mas, naquela casa simples, sob a tutela de um carpinteiro fiel e de uma nazarena incrivelmente bela, Deus era conduzido por mãos humanas.
      Era amamentando, tomando aos braços, curado de suas tristezas, aconchegado no calor dos corpos quando as noites eram frias, e banhando em águas frescas quando as noites eram quentes.
      Nos assombros daquela tarde tenebrosa, é certo que as memórias da mulher estavam à flor da pele. A tragédia de Seu Filho lhe favorecia um retorno no tempo.
       Os joelhos esfolados do homem crescido que dramaticamente subia na direção do calvário eram os mesmos em que um dia ela aplicou curativo nos machucados provocados pelas estripulias da infância. Só os motivos eram distintos. Na tenra idade, as feridas eram nascidas das brincadeiras, das quedas provocadas pela curiosidade do menino que se alegrava com o mundo, do garoto que se equlibrava sobre telhados, árvores e montes.
      Naquela tarde, as feridas não eram filhas dos risos de outrora. Elas nasciam de motivos opostos. Nasciam de ódios, invejas, ressentimentos, intolerâncias. Elas eram desdobramentos da incompreensão humana, da coragem profética que seu Filho teve de anunciar ao mundo o Reino de Deus, de revelar-se como Filho do Altíssimo.
      Não houve muito tempo para o encontro. A multidão crescia e se aglomerava nas proximidades do Condenado. Os soldados romanos pareciam ainda mais violentos. Era necessário manter a ordem. Algumas pessoas estavam raivosas. Mesmo sem motivos, cuspiam sobre o rosto Dele. Os insultos nasciam de razões desconhecidas. O coração humano é um depósito de mistérios. A multidão encorajava a mesquinharia particular de cada homem e mulher e fazia com Ele aquele trajeto. É certo que muita gente fez daquele instante uma oportunidade de catarse.
       Irrompendo a muralha humana que O rodeava, Maria chegou perto de Jesus. Ele se assustou ao vê-la. Breve parada durante a subida dolorosa. A vida inteira precisou se acomodar naquela pequena fração de tempo.
       Dele uma só palavra, nascida da dor, coberta de lágrimas: "Mãe!". Ela respondeu. "Estou aqui, meu filho!". E depois o silêncio. O olhar penetrando corpos e desvendando almas, rasgando o histórico da encarnação, alcançando o mistério que um dia foi comunicado por um anjo e que os entrelaçou, unindo assim, definitivamente, o tempo e a eternidade.
       Ela buscou suas mãos, Levou-as na direção dos lábios e as beijou. Logo em seguida começou a acariciá-las. "O que fizeram com você, meu filho!" Ele nada disse. Apenas fixou nela o olhar e permitiu que as lágrimas rolassem como nos tempos da infância. A multidão se calou. Ela o abraçou com delicadeza. O sangue do filho foi aos poucos manchando as vestes da mãe. O sangue de sua continuidade, o que um dia lhe fora dado no ventre, agora lhe era devolvido de outra forma, envolvido por significados tão profundos que só o tempo poderá desvendá-los.
       Abraçados, ficaram um breve momento em silêncio. O que foi dito naquele abraço? Coisas que as palavras não sabem dizer. Confissões, memórias, súplicas. Abraços últimos são sempre fartos de revelações.
      Antes que os soldados atentassem contra sua mãe, Ele a beijou e pediu que O deixasse prosseguir. Ela fez o que sempre fez. Não ousou retê-lo. Nunca esqueceu a regra humana de que a pertença do corpo é temporária. No anúncio que o anjo lhe fizera estava subentendido que não seria fácil ser mãe de Deus. Também tinha viva no coração a profecia de Simeão, de que uma espada de dor lhe transpassaria o coração. Naquele dia a triste profecia se cumpria.
      Mas, antes de recomeçar a caminhada, o inesperado aconteceu. Vendo sua mãe se afastar, manteve os olhos firmes na direção em que ela caminhava. Os soldados O empurraram com brutalidade, forçando-O a recomeçar sua subida.