quarta-feira, 4 de novembro de 2009

MENSAGEM AOS ESPERTOS E AOS BONITOS


Os gregos acreditavam num deus supremo e em muitos deuses menores. Na sua catequese mostravam os pecados do deus supremo a quem chamavam Zeus e dos seus deuses e deusas que tinham as virtudes e os defeitos dos seres humanos. Ao mostrar os desvios de conduta dos seus deuses e heróis ensinavam como é difícil uma pessoa se conhecer de verdade.
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Os judeus responderam dizendo: - Nosso Deus é santo e não é como os deuses dos outros povos. Entre eles estavam os deuses gregos. Mas a Bíblia narra também as virtudes, os erros e desvios e os defeitos dos seus personagens, patriarcas e profetas e começar por Adão e Eva e seus filhos até o último dos profetas. Saber quem somos é uma das missões mais difíceis da vida. Gostamos muito de analisar os outros, mas fugimos de nos analisar e não gostamos de quem nos analisa. Preferimos os amigos, os que nos aplaudem e elogiam e concordam conosco.
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Sócrates ensinava: conhece-te! Jesus ensinou: Ame a Deus, ame-se e ame os outros como se eles fossem você. São Francisco, na sua famosa oração, pediu a Deus a graça de saber amar-se, saber amar os outros e saber ser amado. Ai estava a chave do auto-conhecimento. É o drama de milhões de pessoas. Não sabem quem são e por isso não sabem dar nem receber. Vivem insatisfeitos. Nada os satisfaz. Querem demais da vida e dos outros e abraçam mais do que podem levar. Não são felizes. Não descobriram o suficiente e o bastante.
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BELEZA E ELOGIOS NÃO BASTAM
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Uma leitura da mitologia grega de 24 séculos atrás e o conhecimento das histórias de personagens que, por terem dinheiro, beleza ou fama se viam como deuses, semi-deuses, deusas, ninfas e heróis acima dos outros pode ajudar muitos jovens ou adultos de hoje a examinar-se. Na procura do seu porquê e da sua verdadeira identidade a maioria não percebe o quanto alguém pode se desviar de si mesmo. Quem cria um falso eu e vive acreditando que ele é aquela falsa imagem que criou para si e para os olhos dos outros não é feliz. Significativamente os personagens da mitologia grega e da Bíblia, todos eles têm chance de refletir e deixar aquelas atitudes, mas quase todos a rejeitam. Uns poucos apanham e aprendem. A maioria apanha e não aprende.
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Destaco, para rapazes e moças, as histórias de Eco, Psiquê, Narciso e Midas. Representam as moças superficiais e fúteis que odeiam livros; as bonitas que só pensam em desfiles, passarelas, moda e cosméticos; os bonitões inteligentes e irresistíveis, mas terrivelmente manipuladores que conquistam todos e todas, mas não assumem ninguém; e os desesperados por conforto, dinheiro e sucesso. Um olhar pela mídia, e pela sociedade nos mostra que os gregos de 2.400 anos atrás estavam certos. Essa gente existe.
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ECO, A SUPERFICIAL
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Eco era uma ninfa que só queria saber de festas. Adorava ser o centro das atenções e ter a última palavra em tudo. Falava demais e foi punida pela ciumenta Juno, mulher de Júpiter a quem ela enganou com sua conversa fútil. Como adorava distrair e interromper os outros, tornou-se incapaz de ter idéias próprias. Foi condenada a repetir para sempre o que ouvia dos outros: inho , inho, inho, ão, ã, ão. Já que não tinha conteúdo para sustentar uma conversa, então que continuasse burra e tola, repetindo o que ouvia, mas sem entender o que ouvia. Nunca se ouviu da sua boca uma sentença de sabedoria. Apaixonou-se por Narciso o sedutor que a largou. Ninguém queria viver com Eco, a superficial. Nem ele que era lindo, mas era ainda mais vazio do que ela.
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PSIQUÉ: LINDA, MAS INCAPAZ
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Psiquê significa borboleta, mas também simboliza a alma humana. Borboleta porque sai de um feio casulo e torna-se bonita e desejável, mas nunca voa reto. Não sabe fazer outra coisa além de ser bela. Vive indecisa e precisando de ajuda. É símbolo da alma humana, intrincada e misteriosa, mas pouco sólida, sempre carente e necessitada de complementação.
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Psiquê foi uma princesa, filha mais nova de um rei. Foi a humana mais linda que se viu. Despertava inveja até em Vênus, a deusa da beleza. Caravanas vinham de cidades longínquas para contemplá-la e seus integrantes poderem dizer: - Eu vi Psiquê. A moça vivia um permanente concurso de miss universo. Foi a primeira modelo do mundo. Mas tudo o que ela sabia era ser bonita. No resto, não sabia tomar decisões. Não sabia se defender. O vento Zéfiro e o deus Cupido tiveram que ser seus protetores. A moça era linda, mas incompetente.
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Mas Psiquê não era má. Foi mais ferida do que feriu. Pagou um altíssimo preço por sua beleza. Todos queriam chegar perto, vê-la e tirar uma lasquinha, mas homem algum ousava se casar com ela. Eram incapazes de conviver com uma quase deusa que todos queriam. Perseguida pela inveja e ciúme de Vênus, que viu nela um perigo para o seu trono, desprezada pelas outras mulheres que viam nela uma competição permanente, ameaçada pelo ciúme dos homens que a queriam, mas não sabiam conviver com a sua beleza , alternou entre a depressão, o sono profundo, a fuga em si mesma e o papel de coitadinha. Tinha tudo de uma borboleta. Aliás, este era o seu nome: Psiquê.
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Quem a ajudou, mesmo contra a vontade da mãe Vênus foi o deus Cupido que se apaixonara por ela, não sem primeiro se ferir com a beleza da moça. A duras penas Psiquê teve que aprender a administrar a solidão e o preço da sua formosura. O acento na beleza lhe saiu muito caro. Só não acabou em tragédia porque, Zeus dobrou Vênus e teve pena da moça. Transformou-a em deusa de verdade e ela se uniu a Cupido que a também a amava sem condições. Seu amor era puro. Ambos tiveram uma filha chamada Prazer. Mas Psiquê teve em seu favor o fato de que nunca usou da sua beleza para seu próprio proveito.
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NARCISO, O EGOCÊNTRICO
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Narciso foi o oposto de Psiquê. Navegou sem nenhum escrúpulo nos barcos da beleza e da fama. Sabia que era bonito e fez da beleza a sua arma. Usou a quantos podia usar. Foi intencionalmente um algoz, sem laços com ninguém. Os outros, para ele, eram trampolins. Usava-os enquanto lhes eram úteis. Depois descartava-os.
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Utilitário e pragmático, punha diante de si um alvo e o perseguia sem dó nem piedade de quem lhe atravessasse o caminho. Afinal, era um humano quase deus! Sabia do frisson que a sua beleza de saradão causava nas moças do seu tempo. A primeira das suas vítimas foi Eco, a vazia, divertida, mas superficial e sem idéias. Logo se cansou dela. Seus ex amigos e desafetos se contavam aos milhares. Primeiro vinha o encanto depois o desencanto. A alma de Narciso não lhe saíra ao corpo. Era feia. Nunca houve egoísta maior do que Narciso porque era um ególatra. Adorava-se.
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Narciso adorava-se porque na verdade não se conhecia. Achava-se mais lindo e poderoso do que realmente era. Supervalorizou seu lindo corpo e sua linda fala. Disso viveu. Eram sua isca. Brincava com esse poder. Seguro de si, a ninguém ouvia. Quem o via pensava logo num deus em forma de homem. O depois é que o estragava. Encantava as pessoas, mas não conseguia tê-las consigo porque seu negócio era ele mesmo. Amava-se demais. Seria o personagem correto para a canção Eu me amo! Não posso mais viver sem mim! Era lindo demais para dividir sua vida com os outros.
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Construíra um nicho ao redor de si e daquele nicho não descia a não ser para ganhar mais adoração e mais títulos. Montara um cerca ao seu redor e no seu lindo eu só entrava quem ele queria. Utilitarista e pragmático, nunca sentiu nada por quem quer que fosse. O que Narciso não sabia é que um dia toparia consigo mesmo de maneira trágica. E assim foi. Naquele dia viu o seu próprio rosto refletido num lago. Como não se conhecia apaixonou-se perdidamente por aquele rosto que era ele mesmo. Ironicamente a sua imagem parecia rejeitá-lo. Quanto mais ele a queria, menos ela o acolhia. Parava a meio caminho. Mergulhou atrás de si mesmo e morreu afogado e desesperado para encontrar a própria imagem, a única pessoa da qual ele gostou de verdade.
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Seu lindo corpo sarado nunca foi encontrado. Dizem que se tornou uma flor chamada Narciso!
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MIDAS: O GANANCIOSO
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Midas, era rei e herdara o trono do seu pai o Rei Górdio, um carroceiro pobre transformado em rei. Odiava tanto a pobreza da qual viera, que quis todo o ouro e conforto em que pudesse por a mão. Seu negócio era ouro, muito ouro e muito conforto. Foi outra figura patética e trágica da mitologia grega. Buscou o luxo e a sofisticação sem limites. Louco por riqueza pediu a Baco que lhe desse o poder de transformar em ouro tudo que tocasse. Baco, o deus dos embriagados, prontamente lhe deu este poder.
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Midas definhou de fome até se arrepender do seu pedido, porque tudo o que tocava virara ouro, inclusive comida e água. Dizem que ele se arrependeu e tornou-se um rei corajoso que dizia o que pensava. Por não bajular Apolo e achar que o deus Pã tocava sua flauta melhor do que Apolo tocava a lira, foi punido e ficou com orelhas de asno. Precisou por toda a vida ocultá-la com um turbante. De novo simples, mas honesto, pagou o preço por dizer o que pensava. De certa forma Midas perdeu, mas venceu. Deixara de ser escravo da bajulação e da riqueza. Tornara-se livre. Quem sabia do seu problema achavam que ele era burro, mas Midas era verdadeiramente livre. Nada mais o prendia senão a verdade!

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